Maíra de Souza, Roberto Freire e Arnaldo Santana. Foto: Lu Paes
10 de outubro de 2010
11 de julho de 2009
Brasil Moleque
Uma era branca,
Pureza de moça,
Boneca de louça,
Que ninguém nos ouça,
Do queixo cair.
Outra era preta
Da cor do azeviche,
Boneca de piche,
Vudu de fetiche,
Moleca saci.
O moço, um caboclo
De sangue mestiço,
De olho mortiço,
Jogando feitiço
Nas moças dali.
A branca era filha
De nhô de fazenda
De gado e moenda,
De dote e de prenda
Pro moço servir.
A preta era cria
De eito e senzala,
Mucama de sala,
Daquela que embala
Sinhá pra dormir.
O moço era solto,
E, sem ter grande coisa,
Era moço de pose,
Viola de doze,
A cantar por aí.
A branca, uma noite,
Seguiu rio abaixo,
Com fogo no facho,
Sem nada por baixo
Do seu organdi.
A lua amarela,
De cana no tacho,
Mostrou, no riacho,
Presença de macho
Banhando-se ali.
Caiu seu vestido,
E o moço muchacho
Desmanchou-lhe o cacho,
E viu rio abaixo,
Um sangue sair.
Depois foi a preta
Com o fogo da raça
Queimando a carcaça,
Soltando fumaça
No seu frenesi.
Na beira do rio,
Emborcando a cabaça
De mel com cachaça,
Rolava devassa
Que nem sucuri.
E o moço na preta
Foi sentando praça,
Deixando outra graça,
No rio que passa,
De sangue a cobrir.
Depois nove-luas
Do fogo no cio,
Do sangue no rio,
Pulou, do baixio
Da branca, um guri.
Era um mameluco,
Mas de carapinha,
Cheirando a morrinha,
Puxado na linha
De Ganga-Zumbi.
Também nove luas
do sangue da preta,
Coisa do Capeta,
Grudado na teta
Tinha um bacuri.
Mas era um cafuzo,
Cheirando a cidreira,
Lisa cabeleira,
Da raça guerreira
Do sangue Tupi.
Brasil não tem raça,
Que raça não conta,
Tem gente que é tonta,
Que vive de afronta
Com as raças daqui.
Contei só uma estória,
Tem tanta já pronta,
Que, de ponta a ponta,
Quanto mais se conta
Mais se tem pra ouvir.
10 de julho de 2009
CAPOEIRA
Eu não sou de fazer figa
Quando entro nos lugares
Porque sou pinho-de-riga,
Pau que quebra os maus olhares.
Aprendi com rapariga
Muita língua de outros mares.
Sei me defender de briga
E escapar dos militares.
Gosto de fazer cantiga
Como os povos zanzibares
Lá da Serra da Barriga
Do Quilombo dos Palmares.
Eu trago no meu alforje,
No lombo do meu cavalo,
Espada que é de São Jorge,
Viola de São Gonçalo.
Eu nasci sem cativeiro
Lá no chão do pelourinho
Mangangá, meu padroeiro,
Me deu dom de passarinho
Beira-mar foi meu terreiro,
Camará foi meu padrinho
Berimbau meu companheiro,
Zum-zum-zum meu burburinho.
Quem me disse era guerreiro:
Capoeira anda sozinho.
E eu fiquei sem paradeiro
Na poeira do caminho.
Eu tenho preso num laço,
Na minha bolsa de pano,
O livro Capa de Aço
Do velho São Cipriano.
Sou de paz desde menino
Viro o Cão quando me empombo.
Vagabundo pente-fino
Vai tomar tapa no lombo.
Não me assusto com assassino,
Com polícia eu não me assombro.
Santo Antônio Pequenino
Não me deixa levar tombo.
Já me disse Catirino,
E isso pesa no meu ombro,
Capoeira, o teu destino
É o de proteger quilombo.
Cruzei o chão da Bahia
Benzendo os meus amuletos
Com eles fiz uma guia,
Rosário dos Homens Pretos.
22 de junho de 2008
PALAVRA CORPO
a palavra vive no papel
com vírgulas hífens crases reticências
leva uma vida reclusa de carmelita descalça
corpo palavra
o corpo aprendeu a ler na rua
com machetes de jornais
jogadas na cara pelo vento
com gírias palavrões
zoando no ouvido
com gritos e sussuros
impressos na pele
palavra corpo
a palavra quer sair de si
a palavra quer cair no mundo
a palavra quer soar por aí
a palavra quer ir mais fundo
a palavra funda
a palavra quer
a palavra fala:
-eu quero um corpo!
corpo palavra
o corpo sabe letras com gosto
de carne osso unha e gente
o corpo lê nas entrelinhas
o corpo conhece os sinais
o corpo não mente
o corpo quer dizer o que sabe
o corpo sabe
o corpo quer
o corpo diz:
-fala palavra!!!
palavracorpo corpopalavra
24 de março de 2008
Recife PE
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